domingo, 12 de outubro de 2008

Introdução



Certamente uma tão curta revolta só atingiu tal importância graças ao seu contexto. A instabilidade política presente no Primeiro Reinado e na Regência concedeu oportunidades para os levantes populares provarem sua também vulnerabilidade, nas ações contra a grande divergência elitista brasileira, focada somente na Centralização x Descentralização. Importante ressaltar a relevância de uma revolta ocorrida a algumas léguas da então capital Rio de Janeiro. O caráter antiescravista seguia não só uma tradição negra na província da Bahia, mas na visão de século XIX esta seria a prova viva de que o Brasil poderia ser o próximo Haiti, o país tomado pelos componentes da maior parcela da população, os escravos.
Sabe-se também que esta num contexto maior, junto com a Cabanagem, Farroupilha, Sabinada e Balaiada representam o principal fator do isolamento político do progressista e regente uno Feijó. O regressista Araújo Lima assume seu posto em 1837 sob o ideal de que somente um governo central e coeso é que asseguraria a unidade territorial brasileira, assim contendo as rebeliões, deixando claro a todos a idéia de que federalismo acarreta a fragmentação territorial, ou o incentivo deste.

Antecedentes

Em Salvador, 1835, ocorreu a maior rebelião escrava do país, apesar de pouco divulgada na historiografia oficial, que tem seu nome originado da palavra Malê (escravo africano de religião muçulmana ou maometana), vinda da expressão iorubá imale. Embora essa rebelião tenha acontecido, por apenas três horas, na noite de 24 para 25 de janeiro, é considerada de suma importância, pois manifestou a inquietação das elites do Brasil, envolvendo centenas de escravos e libertos. Lembrando que esta fora a maior não só quanto a ameaça a ao regime escravocrata mas também contra a imposição do catolicismo. A data, por exemplo, fora planejada no dia 25 de janeiro equivalente ao fim do Ramadã, o mês sagrado muculmano.
Mesmo com planejamento prévio, as autoridades contiveram o levante sem grandes preocupações ou danos que atingisse então a sociedade escravista da Bahia, pelo menos diretamente. O grande objetivo da revolta era com homens já experientes em combates na África, libertar Salvador e levar a rebelião para Recôncavo, principal pólo econômico da região. Os rebeldes visavam uma aproximação daqueles que divergiam dos senhores (classe dominante), os homens livres e pobres insatisfeitos.


Registros de um dos prisioneiros escritos em árabe, contendo trechos do alcorão.

Rebeliões Escravas


Já com os processos de emancipação política do Brasil iniciados em 1808, a instabilidade política vem á tona com os freqüentes enclaves entre centralistas e federalistas, no plano da elite rural brasileira, cria-se com espaço emergente a divulgação dos ideais radicais ou exaltados, representados pelas camadas de base da população, incluindo também os escravos.
Sabendo que no Brasil as revoltas políticas mais divulgadas não tinham o caráter antiescravista, em contrapartida uma significante tradição de rebelião escrava continuava presente com ações como a do levante malês. O dado de que no período 1807-1830, quase vinte rebeliões de tal caráter foram registradas somente na Bahia, comprova-se que a situação de instabilidade política promoveu tal multiplicação.

Ao lado, o negro muçulmano retratado por Debret

O Levante dos Malês

O levante dos malês é considerado por historiadores fundamentalmente urbano, na qual, escravos e libertos planejaram desde 1834, o movimento que seria no dia 25 de janeiro de 1835 (domingo), dia de Nossa Senhora da Guia, já que a vigilância sobre os escravos seria menor.
No sábado, 24, o liberto Domingos Fortunato, depois de contar o que sabia à sua mulher mandou que avisassem seu antigo senhor que nem desconsiderou a informação. Guilhermina fez o mesmo, mas quem tomou providencias e encarregou-se de comunicar ao juiz de paz, foi um vizinho branco, que sabia da historia graças a Guilhermina.
Sabendo da futura rebelião, o juiz da paz adotou de imediato, medidas para a repressão do movimento. As medidas tomadas como a busca do comitê organizador, encontrou 50 a 60 africanos preparando-se para a revolta. Esses ao perceber a entrada dos policiais no subsolo da loja onde estavam escondidos, saíram atacando em diversos grupos, na qual cada grupo tinha a sua função. Um dos grupos tentou libertar Pacífico Licutan (líder malê) da cadeia, mas fracassou após a intervenção dos soldados. A outra parte dos rebeldes encontrou-se na praça do teatro (atual Praça Castro Alves), e foram se fortificando com escravos que passavam. As forças repressivas logo se organizaram e impediram que esses invadissem os quartéis generais, repelindo, colocando os revoltosos em fuga. Os fugitivos tentaram sair da cidade, mas foram barrados no quartel da cavalaria em Água dos Meninos, onde se deu o combate final, resultando na morte dos rebeldes.
No confronto, dos 1500 negros envolvidos, cerca de 60 foram mortos, 200 presos e julgados, sendo 4 condenados à morte e os outros a prisão, passando pelo açoite, à deportação para a África.
Os líderes Ahuma, Pacífico Licutan , Luiza Mahin, Aprício, Pai Inácio, Luís Sandim, Manuel Calafate, Elesbão do Carmo, Nicoti e Dissalu foram martirizados pelos escravos após a derrota.

Charge representando revolta africana

Crioulos e Africanos


O movimento, mesmo com a duração de somente algumas horas, conseguiu espalhar medo e apreensão por parte dos fundamentos da sociedade na classe dominante.
Sabe-se hoje que ter um escravo na época não era um luxo, uma vez que a maioria dos negros se encontrava nas mãos de pequenos escravistas, que dependiam destes para a sobrevivência. Em Salvador e grandes propriedades o fato de não possuir escravos era sinônimo de pauperismo.

Acima a imagem de um nagô malê, assim denominado com as marcas do rosto, participante da revolta.

O fato de até ex-escravos possuírem escravos negros simbolizam a discriminação racial presente em todo o país. Estes trabalhadores inclusive tinham diferentes denominações: Preto, paras os oriundos da África; os Crioulos, nascidos no Brasil, valendo lembrar também os Mulatos, como o nome já indica, e, por final, os Cabras, que tinham o tom da cor que estava entre os crioulos e os mulatos.
Sendo assim, o levante malês foi significativamente preto, uma vez que em Salvador 17 325 indivíduos eram africanos e 10 175 representavam os não-africanos, crioulos e mulatos, que não participaram ativamente da revolta. A maioria numérica dos escravos “estrangeiros” é explicada a partir do “renascimento agrícola” presente na Bahia desde o fim do século XVIII até 1850, que incentivou em peso a importação de pretos, integrantes no geral das nações iorubá (nagô), jeje e hauçá. Não é de se estranhar o fato de que as revoltas eram mais freqüentes onde havia mais africanos, estes que se diferenciariam e muito dos escravos já nascidos no Brasil em termos de princípios na rebelião, tendo em vista que tais nações mencionadas já teriam presenciado a liberdade, ao contrário dos demais escravos.
Já os crioulos, descendiam de outros povos africanos como os bantos (de Angola e Congo), vindos da Costa da Mina e outros menores grupos. O diferencial no quesito resistência era, como o exemplo de tradição banto, os quilombos; tendo em vista que estes nascidos no Brasil, no geral, jamais experimentaram a liberdade no continente de origem.
Segundo João José Reis, em 1835 no levante, cerca de 70% dos presos eram nagôs. Foram identificados sete líderes: Ahuna, Pacífico Licutan, Luís Sanim, Manoel Calafate, Elesbão do Carmo, o Dandará, Nicobé e Dassalú. Apontado como principal líder, Ahuna ou Aluna conseguiu fugir e dele não se teve mais notícias. Dos outros descobriu-se que apesar de diferentes raízes, todos eram mulçumanos (malês), tinham conhecimento do Alcorão, praticavam a língua árabe e eram respeitados pelos demais africanos.
Assim, a despeito de parecer ter um caráter religioso, o Levante Malês era essencialmente caracterizado antiescravista praticado por escravos. Por razões étnicas, os chamados pretos eram hostis até com os crioulos e mulatos, estes considerados do “mundo dos brancos”, de fato eram utilizados pelos senhores de forma repressiva em relação ás rebeliões escravas. Dessa forma as atitudes dos rebeldes indicavam a idealização de uma Bahia africana, na qual os brancos e os crioulos seriam mortos, e segundo Guilhermina Rosa de Sousa – mulher de Domingos Fortunato – denunciante da revolta-, os mulatos seriam poupados e logo se tornariam escravos.
Apesar da ordem social imaginada não ser nada justa, a iniciativa antiescravista deve ser considerada. Vale lembrar que os africanos encaravam a escravidão como praxe daqueles que dominavam, uma vez que os ideais europeus de igualdade e justiça (iluminismo) não eram difundidos na África.

sábado, 11 de outubro de 2008

Luiza Mahin e Luis Gama

Descrição de Luiza Mahin

Vale lembrar um pouco mais de uma das idealizadoras do levante que também participara da Revolta dos Alfaiates (a Conjuração Baiana, de 1798). Como também fora acusada de participar da sabinada, foi deportada para o Rio de Janeiro, onde desapareceu. Esta também foi mãe do "advogado" da abolição, o poeta Luis Gama, que foi de suma importancia para a defesa da abolição do regime escravocrata, dando continuidade a luta da mãe. Este foi vendido pelo próprio pai, num jogo de cartas aos 10 anos.



‘‘Sou filho natural de uma negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã’’.
Luis Gama, escrevendo sobre sua mãe (imagem abaixo)


Samba Enredo

ILÊ AIYÊ CARNAVAL 2002
MALÊS E A REVOLUÇÃO

No início da década de oitenta o compositor Lazinho Boquinha escreveu, para o Bloco Afro Malê Debalê, a seguinte canção em homenagem à Revolta dos Malês:

A REVOLTA DOS MALÊS
Negros
Sudaneses partidários
Da religião muçulmana
Os Malês
Pretendiam abolir
A escravidão
No dia 25 de janeiro
De 1835, começou a
Revolta dos Males
Atacando os quartéis
Vitoriosamente avançaram
Pela rua de baixo. atual Carlos Gomes
Quando foram dissolvidos
Por forte contingente militar
Mesmo assim não deixaram de lutar.

O Ilê Aiyê para o Carnaval de 2002, volta, mais uma vez, a sua atenção para a história de luta por Liberdade, aqui no Brasil.


Confira também o projeto de um samba-enredo para a Leandro de Itaquera em 2009
http://www.claudetealves.com.br/noticias/impressao.asp?id=401

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Fontes Bibliográficas

REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês. São Paulo: Brasiliense, 1986.
KOSHIBA, Luiz & PEREIRA, Denise Manzi Frayze. História do Brasil no contexto da história ocidental. São Paulo: Atual, 2003.